Como o sistema pode falhar às famílias que amamentam

Artigo Original: HOW THE SYSTEM CAN FAIL BREASTFEEDING FAMILIES
Autor: Bobby Ghaheri MD
  • Tradução para português autorizada pelo autor.

Como comunidade médica, ensinaram-nos que a amamentação otimiza a saúde infantil. Quando uma família experiencia problemas na amamentação, habitualmente recorre ao sistema nacional de saúde ou ao seu médico privado para obter ajuda. Infelizmente, o sistema atual, em que muitos médicos e consultores de lactação trabalham, dificulta a sua capacidade de solucionar alguns problemas de amamentação, nomeadamente ao nível do freio da língua ou do lábio. Geralmente, esta situação é uma combinação de duas questões centrais: falta de conhecimento sobre a compreensão, relativamente recente, da anatomia da amamentação, bem como as políticas e/ou fluxo de trabalho do sistema em que trabalham. A cereja no topo do bolo destes problemas é que, muitas vezes, o profissional de saúde acredita que existe controvérsia quanto ao impacto do freio da língua / lábio na amamentação e poder transmitir essa ideia à família.

Até 2008, não estava disponível informação fidedigna sobre como o freio da língua realmente prejudica a qualidade da pega. Foi nessa altura que um estudo ultra-sonográfico mostrou o que a língua faz durante a amamentação. Esta informação apresentou uma mudança de paradigma na compreensão da anatomia e fisiologia infantil em relação ao aleitamento materno e teve uma enorme implicação sobre como a restrição do movimento normal da língua poderia influenciar uma amamentação bem sucedida.

A maioria dos pais assumirá que o médico do seu filho está consciente dos aspetos fundamentais da fisiologia do aleitamento materno. Ao contrário da maioria das situações clínicas, em que pode ser obtida formação específica, não existe um sistema de acreditação para médicos que tenham interesse pela medicina de amamentação. Os médicos com interesse na medicina da amamentação têm de ser auto-didatas para se manterem atualizados acerca das informações médicas emergentes. A maioria dos pais, especialmente os pais dos recém-nascidos, olha para seus profissionais de saúde como uma fonte de autoridade médica. Um profissional de saúde não pode efetivamente exercer, a menos que acredite no conjunto de conhecimentos médicos fundamentais, no que diz respeito ao seu campo de medicina. Os profissionais de saúde podem manter-se confiantes no treino que receberam e manter-se na zona de conforto quanto à sua compreensão de determinados assuntos e sentirem-se ameaçados ou resistirem a estudar mais e procurar novas formas de abordar o mesmo problema.  Também existe a possibilidade de um profissional de saúde, intencionalmente, desvalorizar as preocupações dos pais – porque nem sequer sabem o que não sabem. O pediatra típico, com a típica falta de formação em medicina de amamentação, deve encaminhar para um prestador com mais conhecimentos (geralmente, um/a IBCLC – nota de tradutor: CAM, AL ou IBCLC em Portugal). Se o médico desinformado insiste em ser o ponto de referência para cuidados clínicos adequados na amamentação, mas não tem a informação necessária para determinar se é necessário tratamento adicional, arrisca-se a causar grandes prejuízos em relação à amamentação.

A típica hierarquia de informação clínica entre os profissionais assistentes pode dificultar o exame e o tratamento de alguns problemas de amamentação. O fluxo típico de informações envolve o médico de família (médico de cuidados primários), o paciente e, se necessário, um especialista. Às vezes, o paciente ignora o médico de família e vai direto ao especialista para problemas específicos. Essas relações são ainda mais complicadas uma vez que a mãe pode ter um médico diferente do bebé, sem que este se responsabilize pela saúde e funcionamento da díade.

Existem muitos campos em que um médico não especialista está envolvido no paradigma de diagnóstico e tratamento (audiologia, patologia da fala, consultores de lactação, etc.), mas o campo da medicina de amamentação é interessante, uma vez que não existe como especialidade médica. O pediatra normal, o obstetra, o médico de família, o cirurgião ou o dentista não são especialistas em medicina de amamentação, como possivelmente são noutras áreas (por exemplo, os otorrinolaringologistas possuem experiência médica em compreensão anatómica e distúrbios auditivos, mas utilizam audiologistas para fins de diagnóstico e tratamento específicos). A lacuna no conhecimento da amamentação é, normalmente, preenchida pelo consultor de lactação (tipicamente não médico), que então aconselha uma estratégia para uma díade ou para o médico de cuidados primários com o qual eles trabalham.

Muitos hospitais não contratam consultores internacionais de lactação certificados (IBCLCs) e, em vez disso, usam pessoas que têm muito menos formação, portanto, o freio da língua / lábio pode não ser devidamente identificado. Quando é identificado o freio da língua / lábio, muitas vezes, estão envolvidos motivos políticos no processo de encaminhamento para tratamento. Há muitos exemplos, em todo o país (nota de tradutor: EUA) (e no mundo), onde um hospital “calou” os consultores de lactação por mencionarem aos pais o freio da língua / lábio. Porquê? Normalmente, o hospital está sob pressão de médicos da comunidade que estão chateados por os consultores de lactação hospitalar terem identificado um problema e terem enviado o paciente a um especialista para tratamento, apesar do consultor de lactação, normalmente, ter conhecimento mais especializado sobre amamentação.

Como resultado das várias dificuldades em ligar os problemas na amamentação ao freio curto da língua / lábio, os pais são, frequentemente, deixados numa posição muito difícil. Os prestadores e consultores de lactação podem considerar o potencial diagnóstico de um freio da língua / lábio curto como uma “moda” ou “controvérsia”. Um prestador de cuidados de saúde que chama ao diagnóstico de freio da língua / lábio, num bebé amamentado, uma “moda”, está a ter uma evidente postura contra o diagnóstico. Nenhum pai quer sujeitar o seu bebé a um diagnóstico da “moda” e a uma cirurgia da “moda”, de modo que, para o clínico, a palavra “moda” é uma ferramenta muito eficaz para convencer os pais a não prosseguir o assunto.

O uso da palavra “controvérsia” é mais subtil, mas inerentemente negativo e igualmente prejudicial. Algo controverso é uma coisa que um recém-pai, provavelmente, procuraria evitar ou apenas explorar com extrema cautela. Um pai pode assumir que o médico que fala de forma autoritária tem uma compreensão alargada sobre a evidência e a literatura disponíveis em relação ao freio da língua / lábio e sente que há espaço para controvérsias. Os recém-pais estão a ser informados de que a relação do freio da língua / lábio com a amamentação é “controversa”, sem evidências do motivo *por que* pode ser controversa (é apenas uma correlação básica de anatomia / fisiologia), colocando, assim, a responsabilidade de determinar a validade do procedimento nos pais. A ideia de que algo seja “controverso” também pode ser contagiosa. Se a primeira impressão profissional de um prestador médico ou de um consultor de lactação sobre o freio da língua / lábio é de que é um diagnóstico potencialmente controverso, ou se o seu sistema hospitalar tem em marcha uma censura para prevenir o diagnóstico, pode impedir que analisem objetivamente novas informações e as incorporem no diagnóstico e tratamento do paciente.

Em última análise, os médicos e consultores de lactação estão a ouvir cada vez mais sobre o freio da língua / lábio e o seu efeito na amamentação. É crucial que as informações médicas emergentes sejam escrutinadas e compreendidas pelos provedores médicos para que eles possam manter (e atualizar) o padrão de atendimento aos seus pacientes. O provedor de cuidados clínicos deve resistir à inclinação natural de duvidar de novas informações. O provedor médico curioso ou o sistema hospitalar deve procurar aqueles com experiência para formá-los sobre o impacto do freio da língua / lábio na amamentação. É importante que os pais compreendam que a resposta que podem obter da sua equipa médica pode ser mais uma reação, do que uma opinião informada. Como é cada vez mais comum, os pais podem ter que sair do sistema para obter os cuidados necessários para melhorar a sua relação de amamentação, se o freio da língua / lábio for o problema. Felizmente, com o tempo, mais provedores entenderão como ajudar os seus próprios pacientes.

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